quarta-feira

Lúrpio

Ela acabara de se declarar.

Dissera que o achava atraente, mas que só depois que o conheceu é que começou a gostar dele, definia-o como “legal e engraçado”. Envergonhada, disse que queria ficar com ele, no entanto o pobre rapaz não acreditava no que ouvia.

Ele, não sabia o que dizer; ela, ansiava por uma resposta.

Tentou dizer qualquer bobagem para desviar o assunto, mas foi em vão. Ela estava determinada a ter uma resposta naquele momento, parecia não poder esperar. Pensou em dar uma resposta qualquer, que gostaria de pensar melhor, de ter tempo para decidir, mas a decisão já estava tomada. Ele ainda sonhava com aquela que se foi, e que com ela levou parte dele; quiçá a melhor parte. Achou injusto ficar com ela naquelas condições, estar com ela pensando em outra. Ele sempre achou um refúgio das decisões que precisava que tomar no imperativo categório de Immanuel Kant: “Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, por tua vontade, lei universal da natureza”.

Ou seja, ficar com ela ia de encontro a tudo o que acreditava em ser honesto com os próprios sentimentos e com aos da pessoa alheia. Mas ao mesmo tempo não queria que ela se sentisse magoada ou rejeitada. Acabou por não fazer nada, como de costume.

Certa noite pegou-se pensando nesse episódio e no porquê da reação que teve. Acreditava que era medo; medo de arriscar; medo das incertezas; medo de se entregar. Repetia para si mesmo que era necessário mudar e esquecer o passado, mas isso era mais difícil de ser feito do que falado.

Antes de adormecer, lembrou da célebre frase daquele pequeno garoto, filho de rei, que se orgulhava da rosa que cultivou:
Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.

Perguntou-se por que as pessoas são tão levianas com os sentimentos dos outros, e até mesmo com os de si próprio; era tudo tão vazio e sem cor, não achava interessante e tinha certeza que não queria isso para si próprio. Ainda não tinha cultivado uma rosa para si.

Por fim, adormeceu.

Quimera

Para ele, era perfeita.

Achou ter descoberto a garota ideal para ele, ou talvez para muitos outros, mas de qualquer forma para ele também. Admirava os textos que ela redigia, mesmo com alguns erros de português e de concordância verbal, mas ele não parecia se importar muito com isso. Ele também cometia muitos desses deslizes com a língua.

Passou o último feriado pensando nela, em o que dizer, em o que fazer, de que forma falar. No final, não disse nada, muito menos fez alguma coisa. Torturava-se pela insegurança, pelo julgamento prévio que ela poderia fazer dele, e com freqüência se menosprezava. Mas ele sempre cultivou esses amores impossíveis. Impossíveis para ele, afirmava para os amigos, mas realmente gostava disso. Esse amor seria perfeito enquanto vivesse em seu imaginário, inspirador e sofrível. Expurgava de si tudo aquilo que desejava em outrem, toda uma construção de opiniões e vontades na garota que nunca chegou a conhecer realmente.

E isso o inspirava a escrever aqueles já manjados textos sentimentalistas que não agregam nada, mas de qualquer forma inspiração é inspiração. Precisava de alguma coisa o motivasse que não fosse o trabalho que odeia ou a falsidade das pessoas que conhece.

Este, assim como os outros que já cultivou, se extinguirá muito em breve. Mas ele não parecia se importar, só gostaria de sentir aquilo novamente. O fazia se sentir, de certa forma, mais vivo, vivendo aquilo que retrata Eça de Queiroz na obra Primo Basílio:

 “(...) entrava enfim numa existência superiormente interessante (...)”.

Calvário

Continuava preso ao passado.

           Continuava preso a ela, não sabia o porquê, mesmo passado tanto tempo do fim daquilo que ele acreditava existir. Nunca se conformou do fim que aquilo levou, ou da forma como tudo aquilo, antes jurado como eterno, tão cedo terminara.

Culpe a juventude e o ímpeto que a encarna no imediatismo de seus desejos e na impulsividade de seus atos. Culpe a distância, física somente, para ele, que os separava. Mas não o culpe do fim que aquilo teve mesmo ele tendo sempre se culpado por tudo o que aconteceu. Ela, garota de sorriso fácil e cabelos claros, é quem fora culpada da mágoa ainda guardada dentro dele. O fim, ele nunca realmente entendeu como se deu, só sabia que tinha sido dado, e sem seu consentimento.

Mas não desejava esquecê-la, muito pelo o contrário. Guardou o quanto pôde as cartas que trocaram que, infelizmente, no ímpeto que o rancor despertara certa noite, foram perdidas para sempre. Jamais se esquecerá do perfume que as cartas possuíam, que o faziam, volta e meia, resgatá-las do fundo da gaveta de documentos. Não possuía mais perfume, fato este que não parecia fazê-lo se importar, mas acreditava poder sentir sempre que as tocava. E relia as cartas quando sentia saudades, textos com sentimentalismo ímpar, característica essa que ele sempre buscara em outrem.

Mas aprendeu, no entanto, bastante com o fim disso tudo. Deixou de acreditar nos outros e nunca voltou a acreditar em si mesmo. Pobre coitado, jogado à míngua, deixado ao léu, era agora digno de pena. Mereceu tudo isso, aprendeu da pior forma o revés de entregar-se numa relação. Passou a procurá-la em outras pessoas.

Hoje lamenta-se do tempo perdido com esse amor, mas não desse amor perdido no tempo.